quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O falso anti-imperialismo do regime Assad e o mantra genocida do estalinismo



Gisele Sifroni[1]



Dos céus da Síria caças russos cospem fogo sobre cidades inteiras; por terra, mulheres são alcançadas por balas letais iranianas que se alojam em suas costas ou por mercenários-estupradores que se alojam em seus corpos e espíritos; sob os escombros, os gemidos das crianças tornam-se pedidos universais de socorro. O som da guerra contra o povo sírio só não é mais ensurdecedor do que o silêncio gritante dos países imperialistas e da maioria da esquerda mundial, convertida em tropa de choque ideológica de Bashar al-Assad.

Sob o pretexto de que a atual guerra na Síria teria sido travada exclusivamente por setores pró-EUA que conspiram contra Assad, as diversas vertentes da esquerda reformista mundial (estalinismo, castro-chavismo, neorreformismo, etc.), justificam toda e qualquer atrocidade que o regime de Assad pratica contra o povo sírio. Mas seria realmente o regime assadista de fato anti-imperialista?

 Apoiador do imperialismo no passado e apoiado pelo imperialismo no presente

O argumento de que a ditadura de Assad é um dos últimos bastiões anti-imperialista no Oriente Médio não pode se sustentar frente uma análise séria da história geopolítica da região nos últimos trinta anos.

Durante a Guerra do Golfo (1990-1991) sob o comando dos EUA, o regime Assad participou ativamente com cinco mil soldados da chamada Operação Tempestade no Deserto, responsável por mais de 100 mil bombardeios aéreos contra o Iraque e pela invasão por terra naquele país.  

As aproximações entre a ditadura Síria e o imperialismo-sionismo seguiram no final do século XX. Em 1999, Hafez al-Assad, pai de Bashar al Assad, buscou com o apoio dos EUA um acordo de paz com Israel, no qual o único ponto era a devolução da Colina de Golã usurpada da Síria pelo país sionista, ignorando totalmente que o reconhecimento do Estado de Israel é a autorização para a existência desse enclave imperialista construído sobre o genocídio palestino. Não por acaso, a morte de Hafez al-Assad fora com essas palavras lamentada por Clinton: "Sempre o respeitei por sua franqueza e porque senti que ele fez uma escolha estratégica em busca da paz. É uma pena que a paz não tenha sido atingida enquanto ele viveu, mas espero que isso aconteça". [2]

Os acontecimentos históricos citados são mais do que suficientes para demonstrar o quão falaciosa é a égide do discurso estalinista e castro-chavista que tenta proteger o regime Assad o atribuindo um suposto caráter anti-imperialista. Todavia, é necessário explicitar em tempo presente a aliança implícita do regime ditatorial sírio com o imperialismo.

No início do levante popular sírio, a máscara anti-imperialista e anti-sionista do regime de Bashar al-Assad, posta pelo estalinismo de todos os gostos e idiomas, fora arrancada pelos bombardeios e pela fome que o regime burguês ditatorial promoveu contra o campo de refugiados palestino, em Yarmouk. E no desenrolar da atual guerra na Síria, os diversos campos de confronto se interligaram entre si, desmascarando ainda mais a farsa anti-imperialista que protege o regime assadista.  

Rússia e Irã entraram na guerra em apoio aberto ao regime Assad e não como parte da defesa do povo sírio contra as intervenções estadunidenses e europeias, mas como forças que buscam manter suas zonas de influências no Oriente Médio, quando possível em parceria com o próprio imperialismo, tal como mostra a efetiva aproximação entre Donald Trump e Vladimir Putin, aproximação essa sacramentada agora pela nomeação de Rex Tillerson, presidente da Exxon Mobil e aliado de Moscou, para Secretário de Estado norte-americano.

Por outro lado, a retórica anti-Assad dos países imperialistas não se mantém concretamente. Na verdade, o apoio imperialista à ditadura assadista ocorre de modo passivo, no qual EUA e França observam e permitem o massacre promovido pela Rússia e pelos mercenários iranianos contra os rebeldes sírios, ao passo que os governos de Washington e Paris também assumem a generalização de que todos os opositores do regime ditatorial sírio seriam terroristas ligados ao Estado Islâmico (EL) e assim bombardeiam com a autorização de Assad as regiões dominadas pela população síria opositora ao regime, enquanto os grandes grupos petrolíferos estadunidenses e europeus seguem adquirindo no mercado negro, petróleo controlado pelo EL, fortalecendo esse grupo terrorista, cuja origem tem o DNA da própria inteligência militar yankee.

Dessa maneira, a única oposição real e séria ao regime de Assad e ao Estado Islâmico é formada pelos rebeldes sírios, a partir da organização popular em frentes militares depois da repressão que o regime assadista perpetrou contra as manifestações civis que ocorreram em 2011, como parte da Primavera Árabe que sacudiu o Norte da África e parte do Oriente Médio.

Apesar de todos esses fatos, a Revolução Síria não tem a solidariedade da maioria da esquerda mundial, de tal maneira que Assad se mantém não apenas pela a passividade imperialista frente ao massacre do povo sírio diante das armas financiadas pelo capital russo e iraniano, mas conta também com o arsenal ideológico estalinista que sintetiza o pensamento de uma parte da esquerda que há muito tempo trocou a autonomia dos povos e a defesa da ditadura do proletariado pela defesa de ditaduras sanguinárias burguesas travestidas de campos progressistas, tal como a ditadura de Bashar al-Assad.



[1] Mestre em Integração da América Latina pela - Universidade de São Paulo (USP) e ativista em defesa do Povo Palestino

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